Laércio Andrade de Souza
Seu ‘Nestor’
(vamos chamá-lo assim), era uma figura enigmática. Diria,
‘indecifrável’ em seus gestos, gostos e atitudes,
divertimentos. Ninguém sabia do que ele
gostava como diversão, já que era por demais ‘sisudo!’.
Sistemático
ao extremo, vestia (fosse calor ou frio) camisas de mangas compridas abotoadas
das mangas ao pescoço (como aquelas golas de padres) que tanta aflição causa a
muita gente.
Deixava para
fazer suas comprar (fumo de rolo, sal de cozinha e querosene), ao anoitecer, na
vendinha do senhor ‘Nalinho’, onde meu irmão trabalhava, junto com outro
‘caixeiro’, muito gozador, chamado Paulo Salvador.
De ‘salvador’,
não tinha nada! Era’ tolerado’ no
emprego por ser sobrinho do dono e exímio jogador de futebol do ‘LIBERDADE
ESPORTE CLUBE’.
Sua ‘especialidade’, entretanto, era a de grande
‘gozador’ e de criar situações
inusitadas que causavam risadas e incorporavam ao anedotário da pequena
vila de Carabuçu – quarto distrito de Bom Jesus do Itabapoana-rj, nossa terra
natal.
E ele observando
o tom diferente de seu Nestor, decidiu investigar o que este gostava como
diversão, posto que,ninguém sabia
nada sobre o enigmático senhor. Apenas que trabalhava semana inteira na roça,
pouco falando, pouco dialogando com quem quer que seja.
Mas Paulo
‘descobriu’ certa feita, que a ‘armação’
do ‘boi pintadinho’ era feita , na roça, casa do sr. Nestor, com recursos de
seu conhecidos e colegas de trabalho.
Era construída
com ‘taliscas’ de bambu e forrada com um tecido chamado de ‘chita’. Abaixo do
‘boi’ tinha um lugar específico para acomodar os ombros da pessoa que iria ‘sambar’, no dia da festa da
vila, no meio da multidão (!),(parecia que todos os habitantes) iam ver o tal
‘boi pintadinho’ nas proximidades da venda, rodeado por ‘mulinhas’ (denominação das
pessoas que rodeavam o ‘boi’ para não deixar ninguém se aproximar ou incomodar
a dança do ‘boi’, nem saber quem estava por ‘debaixo dos panos’ que o cobria).
E a dança
‘esquentava’, às vezes, por horas!
O ponto alto
da apresentação do ‘boi’ era quando, após dançar, por mais de hora, era o
momento da ‘cantoria’, onde as pessoas faziam pergundas e o ‘boi’ as respondia
repentinamente!
As mais comuns
eram: ‘Esse boi é pintado?’, ao que o enigmático seu ‘Nestor’ respondia: ‘É sim
senhor!’.
E a plateia continuava:
‘Esse boi é malhado? ‘É sim senhor!’ –
respondia o boi com a voz alterada e cadenciada do Sr. Nestor.
Paulo,’ o salvador’, tudo assistia de dentro da venda e ‘bolava’ mais
uma de suas costumeiras gozações!
Mas como fazê-la, em tom anônimo, jocoso e perturbador, sabendo que
debaixo do ‘boi’, estaria o sistemático/enigmático, desconhecido da
assistência. O incrível, senhor.
‘Nestor?
Observando ‘Matola’, um inveterado e costumeiro bebedor de cachaça na venda, Paulo encontrou a
solução mais própria para ocasião.
Disse a ‘Matola’: ‘Se
você fizer uma pergunta (logo após as costumeiras perguntas ao’boi’, na hora da ‘cantoria’, eu te darei uma boa
dose de cachaça ‘Matinhos’ (a melhor da época) , acompanhada de um bom pedaço
de salame, o que ‘Matola’ adorava para ‘tira-gosto’.
Interessado na pinga, ‘Matola’ não se conteve: ‘Diga aí o que eu tenho
que fazer!’
Paulo deu as coordenadas: ‘Na hora das perguntas, você
em ‘alto e bom som’, escondido na ‘sacaria’ de arroz e milho que se acumulava
próximo à venda, vai dizer após as perguntas
e respostas clássicas, como: Esse boi é malhado?... dizer assim: ‘Esse boi é viado?’
- Nunca, respondeu seu ‘Nestor’, debaixo do da armação do ‘boi
pintadinho!’ . E loucamente enfurecido, jogou a armadura do ‘boi’ ao chão e
respondeu com extrema raiva.
-Nunca... nunca esse ‘boi’ será
‘viado!’
E sacando do bolso traseiro um gigante
canivete ‘cabo de osso’, com que cortava as unhas dos pés, cascos dos cavalos e
demais equinos , e usava para preparar
pacientemente seu cigarro de’ fumo de
rolo’, adentrou agitadamente para dentro
da venda em busca do autor da ofensiva e maliciosa pergunta, ouvida por todos
os presentes que caíram em gargalhadas sem fim.
‘Matola, embora meio ‘grogue’, se
escondeu no meio da ‘sacaria’ de arroz e milho, safando-se de uma canivetada que poderia ser mortal, tal o ódio
de seu ‘Nestor’ em ser comparado a um ‘viado’, já que na roça ninguém perdoaria
alguém ser homossesual. Pois, afinal era
ele a figura representativa do folclórico ‘boi pintadinho’. Além do mais, ao ver desvendada sua única diversão, única fantasia, até
então cercada do maior sigilo possível.
Narra-se essa história, não só por causa da ‘gozação’ que causou em
quase toda população carabucense, mas para demonstrar que todas as pessoas tem
suas formas de divertir, fantasias (até
mesmo sexuais!) só que muitos primam
pela negativa e/ou, anonimato obedientes a natural privacidade.
Mas, cuidado! Pode aparecer um ‘Paulo Salvador!’ e...
O autor é membro fundador da Academia
Itaperunense de Letras, presidente emérito, ocupando a cadeira ‘14’, que tem
como patrono local, o pe. Hubert Lindelauf e Alceu Amoroso Lima, como referência
nacional.
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