quinta-feira, 4 de maio de 2017

O boi pintadinho

Laércio Andrade de Souza

                                   Seu ‘Nestor’ (vamos chamá-lo assim), era uma figura enigmática. Diria,
‘indecifrável’ em seus gestos, gostos e atitudes, divertimentos.  Ninguém sabia do que ele gostava como diversão, já que era por demais ‘sisudo!’.
                                  Sistemático ao extremo, vestia (fosse calor ou frio) camisas de mangas compridas abotoadas das mangas ao pescoço (como aquelas golas de padres) que tanta aflição causa a muita gente.
                                 Deixava para fazer suas comprar (fumo de rolo, sal de cozinha e querosene), ao anoitecer, na vendinha do senhor ‘Nalinho’, onde meu irmão trabalhava, junto com outro ‘caixeiro’, muito gozador, chamado Paulo Salvador.
                                 De ‘salvador’, não tinha nada!  Era’ tolerado’ no emprego por ser sobrinho do dono e exímio jogador de futebol do ‘LIBERDADE ESPORTE CLUBE’.
                                Sua  ‘especialidade’, entretanto, era a de grande ‘gozador’ e de criar situações  inusitadas que causavam risadas e incorporavam ao anedotário da pequena vila de Carabuçu – quarto distrito de Bom Jesus do Itabapoana-rj, nossa terra natal.
                               E ele observando o tom diferente de seu Nestor, decidiu investigar o que este gostava como diversão, posto que,ninguém  sabia nada sobre o enigmático senhor. Apenas que trabalhava semana inteira na roça, pouco falando, pouco dialogando com quem quer que seja.
                                Mas Paulo ‘descobriu’ certa feita, que  a ‘armação’ do ‘boi pintadinho’ era feita , na roça, casa do sr. Nestor, com recursos de seu conhecidos e colegas de trabalho.
                                 Era construída com ‘taliscas’ de bambu e forrada com um tecido chamado de ‘chita’. Abaixo do ‘boi’ tinha um lugar específico para acomodar os ombros da  pessoa que iria ‘sambar’, no dia da festa da vila, no meio da multidão (!),(parecia que todos os habitantes) iam ver o tal ‘boi pintadinho’ nas proximidades da venda,  rodeado por ‘mulinhas’ (denominação das pessoas que rodeavam o ‘boi’ para não deixar ninguém se aproximar ou incomodar a dança do ‘boi’, nem saber quem estava por ‘debaixo dos panos’ que o cobria).
                                  E a dança ‘esquentava’, às vezes, por horas!
                                 O ponto alto da apresentação do ‘boi’ era quando, após dançar, por mais de hora, era o momento da ‘cantoria’, onde as pessoas faziam pergundas e o ‘boi’ as respondia repentinamente!
                               As mais comuns eram: ‘Esse boi é pintado?’, ao que o enigmático seu ‘Nestor’ respondia: ‘É sim senhor!’.
                               E a plateia continuava: ‘Esse boi é malhado?  ‘É sim senhor!’ – respondia o boi com a voz alterada e cadenciada do Sr. Nestor.
                            Paulo,’ o salvador’, tudo assistia de dentro da venda e ‘bolava’ mais uma de suas costumeiras gozações!
                            Mas como fazê-la, em tom anônimo, jocoso e perturbador, sabendo que debaixo do ‘boi’, estaria o sistemático/enigmático, desconhecido da assistência. O incrível,  senhor. ‘Nestor?
                             Observando ‘Matola’, um inveterado e costumeiro  bebedor de cachaça na venda, Paulo encontrou a solução mais própria para ocasião.
Disse a ‘Matola’:  ‘Se você fizer uma pergunta (logo após as costumeiras perguntas ao’boi’,  na hora da ‘cantoria’, eu te darei uma boa dose de cachaça ‘Matinhos’ (a melhor da época) , acompanhada de um bom pedaço de salame, o que ‘Matola’ adorava para ‘tira-gosto’.  
                            Interessado na pinga, ‘Matola’ não se conteve: ‘Diga aí o que eu tenho que fazer!’
                         Paulo deu  as coordenadas: ‘Na hora das perguntas, você em ‘alto e bom som’, escondido na ‘sacaria’ de arroz e milho que se acumulava próximo à venda,  vai dizer após as perguntas e respostas clássicas, como: Esse boi é malhado?...  dizer assim: ‘Esse boi é viado?’
                          - Nunca, respondeu seu ‘Nestor’, debaixo do da armação do ‘boi pintadinho!’ . E loucamente enfurecido, jogou a armadura do ‘boi’ ao chão e respondeu com extrema raiva.
                           -Nunca... nunca  esse ‘boi’ será ‘viado!’
                             E sacando do bolso traseiro um  gigante canivete ‘cabo de osso’, com que cortava as unhas dos pés, cascos dos cavalos e demais equinos ,  e usava para preparar pacientemente  seu cigarro de’ fumo de rolo’, adentrou agitadamente  para dentro da venda em busca do autor da ofensiva e maliciosa pergunta, ouvida por todos os presentes que caíram em gargalhadas sem fim.
                            ‘Matola, embora meio ‘grogue’,  se escondeu no meio da ‘sacaria’ de arroz e milho, safando-se de uma  canivetada que poderia ser mortal, tal o ódio de seu ‘Nestor’ em ser comparado a um ‘viado’, já que na roça ninguém perdoaria alguém ser homossesual.  Pois, afinal era ele a figura representativa do folclórico ‘boi pintadinho’.  Além do mais, ao ver desvendada sua  única diversão, única fantasia,  até  então cercada do maior sigilo possível.
                              Narra-se essa história, não só por causa da ‘gozação’ que causou em quase toda população carabucense, mas para demonstrar que todas as pessoas tem suas formas de divertir,  fantasias (até mesmo sexuais!) só que muitos  primam pela negativa e/ou,  anonimato  obedientes a  natural privacidade.
                              Mas, cuidado! Pode aparecer um ‘Paulo Salvador!’ e...
                              O autor é membro fundador da Academia Itaperunense de Letras, presidente emérito, ocupando a cadeira ‘14’, que tem como patrono local, o pe. Hubert Lindelauf e Alceu Amoroso Lima, como referência nacional.


                                                    
   

                      

Nenhum comentário:

Postar um comentário