quinta-feira, 11 de maio de 2017

MEU TIO, A ORIGEM DO DINHEIRO E A DELAÇÃO MAIS QUE ‘FORÇADA’ NA DÉCADA DE SESSENTA

MEU TIO, A ORIGEM DO DINHEIRO E A DELAÇÃO MAIS QUE ‘FORÇADA’ NA DÉCADA DE SESSENTA.
Laércio Andrade de Souza
Era comum nas décadas de 60 e 70, os governadores nomearem os delegados e subdelegados para os respectivos municípios e distritos.
Nomeavam também os ‘juízes de paz’, que juntos com os delegados, subdelegados e donos de cartórios comandavam as respectivas comunidades. Eram pessoas muito influentes e que decidiam assim os casos e ‘causos’ que lhes chegavam.
Eram requisitados, geralmente dentre os parceiros políticos do governador, e/ou a pedido de deputados aliados a este durando até a mudança da política, quando alguns permaneciam e outros eram sumariamente demitidos face a alteração política.
E a escolha para subdelegado de ‘Serrinha’ – vila pertencente ao quarto distrito de Bom Jesus do Itabapoana – coube a meu tio ‘Filinho’, como era conhecido e, cabo eleitoral do antigo PTB, que fazia o contraponto com os ‘Motas’, do antigo PSD, partido contrário ao então governador Roberto e Badger Silveira e que se digladiavam durante as eleições.
Certo dia apareceu na localidade, um cidadão carioca com trejeitos de malandro, andando de lá pra cá, no pequeno povoado com aquele jeito de ser e falar.
Eu estava na varanda da fazendola, visitando minha inesquecível e adorável vó Balbina, quando o cidadão apareceu procurando por tio ‘filhinho’. Queria fazer uma denúncia!
Disse ele ao meu tio: ‘Doutô', me roubaram 100.000,000 milhões de cruzeiros (cerca de cem mil reais hoje) que trouxe do Rio e queria que o ‘sinhor’ (sic), como ‘otoridade’ máxima desse lugar descobrisse o ladrão’.
Interessado, na conversa de adultos, e com doze para treze anos de idade, passei a acompanhar não só a conversa, mas a atitude de meu tio, cuja função admirava, pois entre outras coisas, portava um revólver branco da marca Smith, cabo de madrepérola, na cintura, bem à vista de todos.
Tio ‘filinho’, após o relato do denunciante, calmamente, chamou o ajudante de ordens (um bate-pau do subdelegado), e disse:
- Prenda esse sujeito lá no cubículo!
Apavorado e surpreso, o ‘carioca’, perguntou ao tio:
-Por que o senhor está me prendendo, já que eu fui o ‘roubado?’
Tio ‘filhinho’ nada disse... nada respondeu! Se limitou a tirar da gaveta um enorme cadeado (daqueles que trancavam as porteiras da fazenda), juntamente com compridas correntes e mandou o infeliz para o ‘xilindro!’
O cubículo, onde o ‘carioca’ ia ficar detido (cerca de 200 metros da casa da vovó Balbina, onde o tio morava) era feito de pranchões fincados mais de metro adentro, no solo encharcado com muita água e umidade e sem lugar até para o cara fazer as ‘necessidades fisiológicas básicas’ e/ou mesmo, sentar-se ou dormir! Parecia mais uma pocilga!
Era praticamente impossível fugir de lá!
De hora em hora, o ‘carioca’, aos berros e manifestamente apavorado implorava por sua soltura. Mas tio ‘filinho’, nenhuma atitude!
Aquilo me incomodava muito, posto que, criança, ficava perplexa de quando o tio iria soltar o pobre ‘diabo!’ Afinal seria ele a vítima do furto, como argumentara, em sua denúncia ou tinha forjado uma farsa sobre o desaparecimento do dinheiro?
Depois de muitas perguntas, e já no outro dia, posto que o indigitado denunciante passara a noite toda no insalubre cubículo, o tio subdelegado, mandou trazer, a tardinha, o pobre ‘lesado!’ a sua presença e disse:
-Eu vou soltá-lo depois que você falar quando, como e onde foi furtado e como arrumou esse dinheiro todo, como alega.
Ele, de perfil simples, para não dizer, simplório, ficou todo enrolado e disse depois de muita reticências, ‘confessou’ para tio ‘filhinho’:
-Na verdade, inventei essa história, pois queria ‘descolar’ algum dinheiro dos comerciantes e políticos locais, pois as pessoas da roça são sensíveis aos que perdem tudo!
Tio ‘filinho’ mandou o ‘bate-pau’ (ajudante de ordens), desamarrar o infeliz, dando-lhe dez minutos para que ele desaparecesse da vila, senão sua prisão poderia alongar-se por meses.
O ‘carioca’, correu como numa competição olímpica, desaparecendo na direção da estrada de chão batido que dava acesso a estrada principal’, que era mais ou menos de 10 quilômetros.
Nunca eu tinha visto alguém correr tanto!

Lembrei-me dessa história, face um amigo, influente jornalista, dizer que um conhecido político ‘iria fazer um investimento de Rs. 15 milhões de reais numa hidroelétrica no Rio Muriaé!’ (sic).
Primeiramente pensei: o rio Muriaé já não tem quase água para preencher o seu leito ainda mais para comportar uma hidroelétrica! Depois, o investimento é muito alto pelas ‘posses’ do ‘investidor’, numa área tão conturbada e de grande competição e dificuldades de aprovação de projetos, análise de impactos ambientais etc. como a de geração de energia elétrica hidráulica.
Contei a ele a história do tio ‘filhinho’, pois primeiro precisaria prender esse ‘investidor’ até que ele falasse a origem dos 15 (quinze) milhões, principalmente com o país com sérios problemas econômico-financeiros.
Faria, depois de uns dias num ‘cubículo’ que poderia ser em Bom Jesus do Itabapoana ou mesmo no de Itaperuna uma delação mais que premiada: forçada!
Creio que ele se mandaria da cidade para o bem de toda a comunidade, ou correria até o Amazonas, Pará etc. onde pelo menos há fartura de água!
O autor é contista e cronista da Academia Itaperunense de Letras (cadeira ‘14’.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O boi pintadinho

Laércio Andrade de Souza

                                   Seu ‘Nestor’ (vamos chamá-lo assim), era uma figura enigmática. Diria,
‘indecifrável’ em seus gestos, gostos e atitudes, divertimentos.  Ninguém sabia do que ele gostava como diversão, já que era por demais ‘sisudo!’.
                                  Sistemático ao extremo, vestia (fosse calor ou frio) camisas de mangas compridas abotoadas das mangas ao pescoço (como aquelas golas de padres) que tanta aflição causa a muita gente.
                                 Deixava para fazer suas comprar (fumo de rolo, sal de cozinha e querosene), ao anoitecer, na vendinha do senhor ‘Nalinho’, onde meu irmão trabalhava, junto com outro ‘caixeiro’, muito gozador, chamado Paulo Salvador.
                                 De ‘salvador’, não tinha nada!  Era’ tolerado’ no emprego por ser sobrinho do dono e exímio jogador de futebol do ‘LIBERDADE ESPORTE CLUBE’.
                                Sua  ‘especialidade’, entretanto, era a de grande ‘gozador’ e de criar situações  inusitadas que causavam risadas e incorporavam ao anedotário da pequena vila de Carabuçu – quarto distrito de Bom Jesus do Itabapoana-rj, nossa terra natal.
                               E ele observando o tom diferente de seu Nestor, decidiu investigar o que este gostava como diversão, posto que,ninguém  sabia nada sobre o enigmático senhor. Apenas que trabalhava semana inteira na roça, pouco falando, pouco dialogando com quem quer que seja.
                                Mas Paulo ‘descobriu’ certa feita, que  a ‘armação’ do ‘boi pintadinho’ era feita , na roça, casa do sr. Nestor, com recursos de seu conhecidos e colegas de trabalho.
                                 Era construída com ‘taliscas’ de bambu e forrada com um tecido chamado de ‘chita’. Abaixo do ‘boi’ tinha um lugar específico para acomodar os ombros da  pessoa que iria ‘sambar’, no dia da festa da vila, no meio da multidão (!),(parecia que todos os habitantes) iam ver o tal ‘boi pintadinho’ nas proximidades da venda,  rodeado por ‘mulinhas’ (denominação das pessoas que rodeavam o ‘boi’ para não deixar ninguém se aproximar ou incomodar a dança do ‘boi’, nem saber quem estava por ‘debaixo dos panos’ que o cobria).
                                  E a dança ‘esquentava’, às vezes, por horas!
                                 O ponto alto da apresentação do ‘boi’ era quando, após dançar, por mais de hora, era o momento da ‘cantoria’, onde as pessoas faziam pergundas e o ‘boi’ as respondia repentinamente!
                               As mais comuns eram: ‘Esse boi é pintado?’, ao que o enigmático seu ‘Nestor’ respondia: ‘É sim senhor!’.
                               E a plateia continuava: ‘Esse boi é malhado?  ‘É sim senhor!’ – respondia o boi com a voz alterada e cadenciada do Sr. Nestor.
                            Paulo,’ o salvador’, tudo assistia de dentro da venda e ‘bolava’ mais uma de suas costumeiras gozações!
                            Mas como fazê-la, em tom anônimo, jocoso e perturbador, sabendo que debaixo do ‘boi’, estaria o sistemático/enigmático, desconhecido da assistência. O incrível,  senhor. ‘Nestor?
                             Observando ‘Matola’, um inveterado e costumeiro  bebedor de cachaça na venda, Paulo encontrou a solução mais própria para ocasião.
Disse a ‘Matola’:  ‘Se você fizer uma pergunta (logo após as costumeiras perguntas ao’boi’,  na hora da ‘cantoria’, eu te darei uma boa dose de cachaça ‘Matinhos’ (a melhor da época) , acompanhada de um bom pedaço de salame, o que ‘Matola’ adorava para ‘tira-gosto’.  
                            Interessado na pinga, ‘Matola’ não se conteve: ‘Diga aí o que eu tenho que fazer!’
                         Paulo deu  as coordenadas: ‘Na hora das perguntas, você em ‘alto e bom som’, escondido na ‘sacaria’ de arroz e milho que se acumulava próximo à venda,  vai dizer após as perguntas e respostas clássicas, como: Esse boi é malhado?...  dizer assim: ‘Esse boi é viado?’
                          - Nunca, respondeu seu ‘Nestor’, debaixo do da armação do ‘boi pintadinho!’ . E loucamente enfurecido, jogou a armadura do ‘boi’ ao chão e respondeu com extrema raiva.
                           -Nunca... nunca  esse ‘boi’ será ‘viado!’
                             E sacando do bolso traseiro um  gigante canivete ‘cabo de osso’, com que cortava as unhas dos pés, cascos dos cavalos e demais equinos ,  e usava para preparar pacientemente  seu cigarro de’ fumo de rolo’, adentrou agitadamente  para dentro da venda em busca do autor da ofensiva e maliciosa pergunta, ouvida por todos os presentes que caíram em gargalhadas sem fim.
                            ‘Matola, embora meio ‘grogue’,  se escondeu no meio da ‘sacaria’ de arroz e milho, safando-se de uma  canivetada que poderia ser mortal, tal o ódio de seu ‘Nestor’ em ser comparado a um ‘viado’, já que na roça ninguém perdoaria alguém ser homossesual.  Pois, afinal era ele a figura representativa do folclórico ‘boi pintadinho’.  Além do mais, ao ver desvendada sua  única diversão, única fantasia,  até  então cercada do maior sigilo possível.
                              Narra-se essa história, não só por causa da ‘gozação’ que causou em quase toda população carabucense, mas para demonstrar que todas as pessoas tem suas formas de divertir,  fantasias (até mesmo sexuais!) só que muitos  primam pela negativa e/ou,  anonimato  obedientes a  natural privacidade.
                              Mas, cuidado! Pode aparecer um ‘Paulo Salvador!’ e...
                              O autor é membro fundador da Academia Itaperunense de Letras, presidente emérito, ocupando a cadeira ‘14’, que tem como patrono local, o pe. Hubert Lindelauf e Alceu Amoroso Lima, como referência nacional.