Crônica de uma
pregação (mal/bem) sucedida.
Laércio Andrade de Souza.
Era uma dessas alunas que mexem com as fantasias de qualquer
professor, principalmente, jovem!
Alta, esguia, morena
e bem falante. ‘Pecava’ pelo seu trajar, envolta num vestido que descia aos
pés!
Os colegas falavam
que era exigência da sua denominação. As evangélicas, desta tinham que se
vestir ‘adequadamente’, para não despertar o mínimo de sensualidade. Nada de
joelhos à mostra!
Sua entrada na sala de
aula, despertava na garotada manifestações mais variadas. Desde um assobio
(muito comum à época!), até as mais ousadas, como: “entrou a crente ‘boazuda
etc. etc.
Como ‘austero’
professor de latim, não poderia deixar de repudiar as manifestações dos alunos,
manter a disciplina e tocar a matéria, nada fácil de ensinar e/ou despertar
interesse.
‘Vamos à próxima
declinação!’ – asseverava, como forma de ‘conter’ a empolgação com a entrada da
bonita aluna, que não sei o porquê, chegava sempre atrasada!
‘MC’, vou dizer só as
iniciais (ela possivelmente está muito viva possivelmente ‘pastoreando’) não
perdia nenhuma oportunidade para tentar falar alguma coisa da bíblia, que
educadamente, ‘repudiava!’, dizendo: ‘Aqui é sala de aula, não Igreja!’ ‘Vamos
conversar em outra oportunidade’.
Mas ‘MC’ era por
demais insistente!
De quando em quando,
voltava ‘a carga’ com citações da bíblia.
‘Professor, o senhor
sabia que Cristo era um grande professor?
-Sei!’ Respondia,
secamente para evitar o prolongamento da conversa, ‘evangelização e/ou
catequese’, sei lá!
Mas, suas atitudes
evangelizadoras, chamavam a atenção, não só dos meninos/meninas, mas também do
professor que lhes escreve.
Certo dia, meio
chateado, mas também curioso, respondi, num intervalo da aula, a uma pergunta dela.
Perguntou-me se podia
falar coisas da Bíblia, comigo, em outro lugar!
Acedi! ‘Vá ao meu
escritório, onde preparo minhas aulas!’ Na época, ocupava uma das salas do
Edifício ‘Rotary Club’ de Itaperuna, com esse nome, posto que fora idealizado e
construído por rotarianos (essa ‘maçonaria branca’), como a definia o saudoso padre alemão Higino
Latteck! e que tive a honra de pertencer por um tempo, influenciado por minha
esposa, que queria que eu substituísse seu pai, um grande rotariano.
Num sábado outonal,
pela manhã, eis que chega deslumbrantemente ‘MC ao meu escritório’, portando
uma bíblia, folhetos e outras coisas mais.
Sacanamente, pensei: ‘Hoje
você pode pregar a vontade, pois aqui estou longe de meu reduto professoral, e ‘isento’
de qualquer falatório malicioso/tendencioso’ dos demais alunos. Uma conversa
particular!
Ela, rapidamente, começou: ‘O professor já ouviu ou leu um salmo
de Davi?
‘Aquele sacana, que
mandou seu general para guerra para ficar com a mulher dele? Respondi.
Ela percebeu que eu
tinha alguns ‘conhecimentos’ bíblicos, fruto de minha infância de ‘coroinha’ de
um padre tradicionalista, por sinal um santo sacerdote, que já partiu.
E ela falava, falava,
e eu, solteríssimo, descompromissado, prestava mais atenção nas poucas silhuetas
que seu corpo coberto permitia, que nas
pregações, adredemente preparadas.
De olhar fixo, em sua
beleza, não prestava muita atenção no que ela dizia. Estava mais focado em sua
beleza física que em sua catequese!
E prosseguia: ‘Professor,
o senhor sabe da atuação das mulheres na bíblia, como Ester... Madalena etc.
etc.
‘Madalena’ foi salva
por Cristo, do apedrejamento face o machismo predominante na época e que hoje
ainda persiste!’ Asseverei.
Divagando, e com o
pensamento em outras coisas, respondia aleatóriamente: ‘Sim, eram
interessantes!’
‘E Dalila?’ Aquela
que cortou o cabelo de Sansão? Despistei.
‘É, foi um caso de
traição, mal resolvido!’ Objetei. ‘Mas ele não era filho de Davi?’ Aquele que
falamos lá atrás?’
‘Vou ler uma passagem
do Cântico dos Cânticos’ apelava, certamente vendo minhas ‘terceiras’ ‘quartas’
intenções!
“Vem meu amado, vamos
ao campo...'
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‘Lá te darei meu amor...!’
Décimo poema.
Aí, não aguentei: ‘Isso
não é de Salomão, aquele filho de Davi, fruto da relação com a mulher de seu general?
‘Não professor, não é
bem assim!’
Então... Não estou
entendendo nada!
Aliás, desde o
começo!
‘Já não sei o que
faço, ou o que o coração me diz...’ como na canção de Júlio Iglesias!
Mas como ‘cantar’
aquela ‘crente’, tímido e ainda mentalmente policiado pelo respeito que restava
do ‘austero’ professor de latim?
Como extravasar aquele
desejo incontido de ‘namorar’ uma evangélica, uma daquelas ‘taras’ juvenis?
Ficaria tudo ‘sacramentado’,
como dizia um amigo meu, de aventuras juvenis!
Mas descobri, no
final da história, que ela não estava tanto com ‘aquela vontade exacerbada de
me evangelizar’.
Estava certamente, ‘apaixonada’
(sic) pelo professor! O que não é incomum na adolescência.
Houve outros
encontros, outras pregações, ‘evangelizações’. Mas o final da história deixo ao
sabor da interpretação do amado leitor(a).
Josepha, ainda não
tinha me ‘catequisado!’
O certo, e disso
estou certo, que o desejo de ‘namorar uma evangélica daquelas’, persiste, não
como um ‘trauma’ mas uma incontida tentação de ver tudo ‘sacramentado’, catequizado, e sacanamente realizado, como insistia meu
amigo de aventuras juvenis.
Mas o que posso
adiantar, é que foram manhãs e jovens tardes inesquecíveis de outono.
Itaperuna, 06 de março de 2017.
O autor é cronista e membro da academia itaperunense de letras.
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