sexta-feira, 17 de março de 2017

Crônica de uma pregação (mal/bem) sucedida.
             Laércio Andrade de Souza.
                                          Era uma dessas  alunas que mexem com as fantasias de qualquer professor, principalmente, jovem!
Alta, esguia, morena e bem falante. ‘Pecava’ pelo seu trajar, envolta num vestido que descia aos pés!
Os colegas falavam que era exigência da sua denominação. As evangélicas, desta tinham que se vestir ‘adequadamente’, para não despertar o mínimo de sensualidade. Nada de joelhos à mostra!
Sua entrada na sala de aula, despertava na garotada manifestações mais variadas. Desde um assobio (muito comum à época!), até as mais ousadas, como: “entrou a crente ‘boazuda etc. etc.
Como ‘austero’ professor de latim, não poderia deixar de repudiar as manifestações dos alunos, manter a disciplina e tocar a matéria, nada fácil de ensinar e/ou despertar interesse.
‘Vamos à próxima declinação!’ – asseverava, como forma de ‘conter’ a empolgação com a entrada da bonita aluna, que não sei o porquê, chegava sempre atrasada!
‘MC’, vou dizer só as iniciais (ela possivelmente está muito viva possivelmente ‘pastoreando’) não perdia nenhuma oportunidade para tentar falar alguma coisa da bíblia, que educadamente, ‘repudiava!’, dizendo: ‘Aqui é sala de aula, não Igreja!’ ‘Vamos conversar em outra oportunidade’.
Mas ‘MC’ era por demais  insistente!
De quando em quando, voltava ‘a carga’ com citações da bíblia.
‘Professor, o senhor sabia que Cristo era um grande professor?
-Sei!’ Respondia, secamente para evitar o prolongamento da conversa, ‘evangelização e/ou catequese’, sei lá!
Mas, suas atitudes evangelizadoras, chamavam a atenção, não só dos meninos/meninas, mas também do professor que lhes escreve.
Certo dia, meio chateado, mas também curioso, respondi, num intervalo da aula,  a uma pergunta dela.
Perguntou-me se podia falar coisas da Bíblia, comigo, em outro lugar!
Acedi! ‘Vá ao meu escritório, onde preparo minhas aulas!’ Na época, ocupava uma das salas do Edifício ‘Rotary Club’ de Itaperuna, com esse nome, posto que fora idealizado e construído por rotarianos (essa ‘maçonaria branca’),  como a definia o saudoso padre alemão Higino Latteck! e que tive a honra de pertencer por um tempo, influenciado por minha esposa, que queria que eu substituísse seu pai, um grande rotariano.
Num sábado outonal, pela manhã, eis que chega deslumbrantemente ‘MC ao meu escritório’, portando uma bíblia, folhetos e outras coisas mais.
Sacanamente, pensei: ‘Hoje você pode pregar a vontade, pois aqui estou longe de meu reduto professoral, e ‘isento’ de qualquer falatório malicioso/tendencioso’ dos demais alunos. Uma conversa particular!
Ela, rapidamente,  começou: ‘O professor já ouviu ou leu um salmo de Davi?
‘Aquele sacana, que mandou seu general para guerra para ficar com a mulher dele? Respondi.
Ela percebeu que eu tinha alguns ‘conhecimentos’ bíblicos, fruto de minha infância de ‘coroinha’ de um padre tradicionalista, por sinal um santo sacerdote, que já partiu.
E ela falava, falava, e eu, solteríssimo, descompromissado, prestava mais atenção nas poucas silhuetas que  seu corpo coberto permitia, que nas pregações, adredemente preparadas.

De olhar fixo, em sua beleza, não prestava muita atenção no que ela dizia. Estava mais focado em sua beleza física que em sua catequese!
E prosseguia: ‘Professor, o senhor sabe da atuação das mulheres na bíblia, como Ester... Madalena etc. etc.
‘Madalena’ foi salva por Cristo, do apedrejamento face o machismo predominante na época e que hoje ainda persiste!’ Asseverei.
Divagando, e com o pensamento em outras coisas, respondia aleatóriamente: ‘Sim, eram interessantes!’
‘E Dalila?’ Aquela que cortou o cabelo de Sansão? Despistei.
‘É, foi um caso de traição, mal resolvido!’ Objetei. ‘Mas ele não era filho de Davi?’ Aquele que falamos lá atrás?’
‘Vou ler uma passagem do Cântico dos Cânticos’ apelava, certamente vendo minhas ‘terceiras’ ‘quartas’  intenções!
“Vem meu amado, vamos ao campo...'
.........................................................................................................................................................................
‘Lá te darei meu amor...!’ Décimo poema.
Aí, não aguentei: ‘Isso não é de Salomão, aquele filho de Davi, fruto da relação com a mulher de seu general?
‘Não professor, não é bem assim!’
Então... Não estou entendendo nada!
Aliás, desde o começo!
‘Já não sei o que faço, ou o que o coração me diz...’ como na canção de Júlio Iglesias!
Mas como ‘cantar’ aquela ‘crente’, tímido e ainda mentalmente policiado pelo respeito que restava  do ‘austero’ professor de latim?
Como extravasar aquele desejo incontido de ‘namorar’ uma evangélica, uma daquelas ‘taras’ juvenis?
Ficaria tudo ‘sacramentado’, como dizia um amigo meu, de aventuras juvenis!
Mas descobri, no final da história, que ela não estava tanto com ‘aquela vontade exacerbada de me evangelizar’.
Estava certamente, ‘apaixonada’ (sic) pelo professor! O que não é incomum na adolescência.
Houve outros encontros, outras pregações, ‘evangelizações’. Mas o final da história deixo ao sabor da interpretação do amado leitor(a).
Josepha, ainda não tinha me ‘catequisado!’
O certo, e disso estou certo, que o desejo de ‘namorar uma evangélica daquelas’, persiste, não como um ‘trauma’ mas uma incontida tentação de ver tudo ‘sacramentado’, catequizado,  e sacanamente realizado, como insistia meu amigo de aventuras juvenis.
Mas o que posso adiantar, é que foram manhãs e jovens tardes inesquecíveis de outono.
                                               Itaperuna, 06 de março de 2017.


                                               O autor é cronista e membro da academia itaperunense de letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário