terça-feira, 6 de janeiro de 2015

GOVERNO CELSO PEÇANHA: REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO

Resumo
Este trabalho tem como foco o governo Celso Peçanha (1961‐1962), buscando compreender a política educacional no
antigo Estado do Rio de Janeiro, suas conjunturas e disputas.  O estudo é parte do resultado da pesquisa intitulada
“Governo Celso Peçanha: Revolução a na Educação?(1961‐1962)” e constitui uma das atividades desenvolvidas pelo
Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação (GRUPPE); cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq. O interesse pelo tema está relacionado à mística que cerca esta gestão, lembrada como aquela que mais
investiu em educação e na carreira docente, na história recente do antigo Estado do Rio de Janeiro. O estudo
pretende analisar os objetivos, as iniciativas e as prioridades que compuseram a política educacional do governo
Peçanha, assim como as movimentações que caracterizavam aquela política. Destacam‐se em tal governo, a
implantação de concurso para magistério do Estado do rio, nunca antes realizado, e a elaboração de planos de
carreira docente, garantindo às professoras aposentadoria aos 25 anos de exercício professoral. Para realização da
investigação foi realizada pesquisa documental, estudo da literatura especializada, além de entrevistas com
personagens do contexto político do antigo Estado do Rio.
Palavras‐Chave: Educação Fluminense. Política Educacional – Rio de Janeiro. Governo Celso Peçanha. Educação
Fluminense.
Introdução
O presente trabalho é parte da pesquisa “Governo Celso Peçanha: Revolução na
Educação?”, coordenada pela Prof.ª Flávia Monteiro de Barros Araujo1
. O estudo constitui uma
das atividades realizadas pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação (GRUPPE) da
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A pesquisa integra um estudo mais amplo denominado “Políticas educacionais no antigo
Estado do Rio de Janeiro: ação do Estado, interesses em disputa (1945 a 1964)”, minha
participação na análise iniciou‐se em julho de 2011, investigando o governo Peçanha e as políticas
                                                         
1 O GRUPPE é coordenado pela Prof.ª Flávia Araújo e pelo professor Waldeck Carneiro, o grupo é cadastrado no
Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Faço parte do GRUPPE, integrando a pesquisa com bolsa de Iniciação Científica, financiada pelo CNPQ.IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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educacionais dessa gestão.  Ao realizar os procedimentos metodológicos, a questão da expansão
do ensino público e da democratização do ensino me pareceu ocupar um lugar de destaque no
governo. Para organizar o presente texto, optei por analisar o contexto em que estava inserido o
governo de Celso Peçanha, entendendo as ações que influenciaram social, econômica e
politicamente, para, a seguir, compreender como se deu a expansão e a democratização do
ensino, a partir da relação entre a instância pública e a privada no governo Peçanha.
O foco do estudo é analisar as políticas educacionais do Governo Celso Peçanha,
compreendendo seu período de ação (1961‐1962); investigando o imaginário que se construiu
sobre ele, presente até hoje nos discursos das professoras que lecionaram naquele período: a
afirmação de que foi o melhor governo no que se refere a investimentos e iniciativas na educação.
Parte da análise teve como eixo norteador o projeto de pesquisa, no qual a finalidade era
“examinar os objetivos, as prioridades e as iniciativas que compuseram a política educacional do
governo Peçanha, bem como as forças que disputavam aquela política.” (ARAUJO, 2011).
A compreensão da trajetória da expansão do ensino público e da democratização da
educação no período de governo de Celso Peçanha é o principal objetivo desse estudo. Entender
as medidas e políticas públicas do então governador permite compreender o projeto social e a
concepção de sociedade que ele era defensor.
As questões que me inquietaram em relação ao Governo Peçanha referem‐se à
democratização do ensino e ao investimento na manutenção e expansão da escola pública
naquele período. Algumas falas do Sr. Celso Peçanha trazem elementos de estudo da relação
público – privado permitindo compreender que lugar esses conceitos ocupavam no governo dele,
por exemplo:
[...] Concessão de bolsas integrais para alunos sem recursos, teria, temos certeza,
resultados imediatos na melhoria do nosso ensino, quer do ponto de vista
quantitativo, quer da melhoria de sua qualidade, com redução de taxas de
reprovação e evasão escolar.(2006)
O envolvimento com a política iniciou‐se muito cedo na vida de Celso Peçanha, a vida
pública já o interesse quando ainda cursava as séries iniciais do ensino Fundamental. Nascido no
interior do Estado do Rio de Janeiro, estudou em uma escola em Santo Eduardo. Durante uma
aula, sua professora Dona Marina, questionava os alunos sobre qual profissão gostariam de seguirIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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quando adultos. Ao ser perguntado, Peçanha prontamente respondeu: “Quero ser Presidente do
Estado, como Nilo Peçanha.” Despertando risos em todos da sala de aula e um conselho de sua
professora: “É preciso estudar muito, meu filho”. (PEÇANHA, 2006)
Breve histórico da política brasileira
A criação do Partido Social Democrático (PSD), com características conservadoras,
constituído pela classe média, defendia os interesses da elite. Partido de centro‐direita, o PSD
formava uma balança política com o PTB que lutava e abria espaço para as exigências da classe
trabalhadora. Tal situação parecia ser confortável para Vargas, segundo Peçanha (2006): “esse
equilíbrio de posições daria a Vargas a tranquilidade para governar  ‐ pelo menos, era o que ele
pensava. O PTB foi o que mais cresceu no período 1945‐64”. A primeira eleição para Deputado
Federal ganha por Celso Peçanha foi pela legenda PTB, em 1951, com 14.018 votos, como o
segundo candidato mais votado do partido no Rio de Janeiro e o quinto mais votado da bancada
fluminense.
Após a morte de Getúlio Vargas quem assume a presidência do país é Juscelino Kubitschek,
apoiado pelo Partido Social Democrático (PSD) criado por Vargas. O presidente Kubitschek iniciou
um vasto programa de industrialização e de transferência da capital do país do Rio de Janeiro para
Brasília.
O sucessor de Kubitschek foi Jânio Quadros que ficou no governo por pouco tempo, pois
renunciou alguns meses após ser eleito. O país passou por um período de caos político, por esse
motivo foi instalado um sistema parlamentarista de governo. Como solução emergencial, o
parlamentarismo foi substituído depois da realização de um plebiscito em que foi decidido que o
presidencialismo deveria ser a forma de governo.
Em 1963 a União Nacional dos Estudantes (UNE) fez parte de todas as negociações políticas
importantes, com o apoio do Ministério da Educação. Também em 1963, os trabalhadores rurais
que ficavam afastados da sociedade urbana, sem usufruir dos direitos sociais, civis e políticos
alcançou uma grande conquista com a criação do Estatuto do Trabalhador Rural. No ano seguinte,
os militares deram o golpe e tomaram o poder, iniciando um período de coerção e controle social,IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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a principal justificativa para a repressão era o combate à influência comunista. Neste período os
direitosforam praticamente mutilados, principalmente os civis e políticos.
Para que a repressão fosse legalizada foram criados os Atos Institucionais, emendas legais
que asseguram decisões ditatoriais dos comandantes. Em 1966 aconteceram as eleições estaduais
e os resultados não foram favoráveis para o governo, então, o Ato Institucional nº 2, decretou fim
a eleição direta para presidente da República, desfazendo alguns partidos políticos e instituindo a
existência de apenas dois partidos; o partido do governo, a Aliança Nacional Partidária (Arena) e o
partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Alguns movimentos contra o governo acontecerem em 1968, envolvendo, dentre outras
pessoas, os operários e os estudantes. Os direitos civis e políticosforam muito atingidos com o Ato
Institucional nº 5. O General Costa e Silva foi colocado como presidente e o Congresso foi fechado.
No ano seguinte o então presidente sofreu um enfarto, mas seu vice‐presidente (um civil da UDN)
foi impedido de assumir o governo, assumindo em seu lugar uma junta militar que escolheu outra
pessoa. Então o general Garrastazu Médici tomou posse da presidência, foi publicada oficialmente
a nova Constituição incluída os atos institucionais e foi em seu governo que a repressão
alcançaram seu auge. A censura de jornais, livros e outros meios de comunicação começaram a ser
aplicada em 1970, em que o governo controlava o que seria exibido, informado e os assuntos que
seriam citados.
Não havia opções para formação de uma oposição legal, então criaram mecanismos de
ação utilizando táticas de guerrilha. A repressão tentava conter com prisões, assassinatos e
torturas. Agências especiais de repressão foram criadas pelo Exército, o Destacamento de
Operações de Informações e o Centro de Operações de Defesa Interna (DOI e CODI,
respectivamente). Consequentemente, milhares de pessoas sofreram as consequências da
ditadura, perdendo seus direitos políticos, aposentadorias, políticos com seus mandatos cassados
etc. Os militares que se mostravam contra o golpe eram expulsos, apenas a Igreja Católica
conseguia resistir e se defender da repressão.
Entre 1964 e 1985 o Congresso ficou aberto e funcionando em quase todo tempo e o que
era imposto pelos presidentes a Câmara e ao Senado era cumprido. As eleições legislativas foram
mantidas pelos militares para que o Congresso continuasse aberto, mas as eleições estaduaisIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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foram interrompidas em 1966 e voltaram em 1982, já para presidente foi suspenso de 1960 a
1989. Durante esse período as eleições eram feitas pelos militares e confirmada pelo Congresso,
sempre com o auxílio da Arena.
O que é conhecido como o milagre econômico brasileiro aconteceu no período militar, a
partir de 1968, mas especificadamente durante o governo Médici e justamente quando a
repressão estava mais intensa. O “milagre” satisfazia a classe média, entretanto, retirava os
direitos políticos.
Apesar de o crescimento econômico ter sido grande, só aumentou a desigualdade social,
mas naquele momento isto não era perceptível. Foi também neste período que o Brasil foi
tricampeão mundial de futebol, gerando grande euforia e patriotismo, que Médici soube usufruí
muito bem.
Uma onda de nacionalismo xenófobo e reacionário percorreu o país. Viam‐se nas
ruas e nos carros faixas com os dizeres: “Brasil: ame‐o ou deixe‐o”, uma crítica
explicita à oposição, sobretudo à oposição armada. Pesquisas acadêmicas de
opinião pública feitas na época indicaram que o presidente gozava de
popularidade. (CARVALHO, 2008).
Em contrapartida ao declínio dos direitos políticos e civis, o governo militar investiu para
crescimento dos direitos sociais, criando em 1966 o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Em 1971 foi a vez do Fundo de Assistência Rural, o Funrural, que inseria na previdência os
trabalhadores rurais. Entre 1972 e 1973 os trabalhadores autônomos e as empregadas domésticas
foram incluídos na previdência. Como não existia estabilidade nos empregos o governo militar
criou também o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (em 1966). E em 1974, foi criado o
Ministério da Previdência e Assistência Social.
Apesar da restrição dos direitos civis e políticos, o campo da educação sofreu modificações.
O crescimento no número de matrículas nos estabelecimentos de ensino foi significativo entre
1960 e 1970. Dados do Ministério da Educação indicam que entre 1960 e 1970 o número de
matrículas no ensino primário (1ª a 4ª série) quase dobrou no Brasil, a mesma pesquisa indica que
as matrículas do ensino ginasial (5ª a 8ª série) e o 2º Grau praticamente triplicaram e o ensino
Superior apresentou aumento de quase quatro vezes maior que no ano de 1960. Cunha (1991)
apresenta uma tabela que muito auxilia na visualização desses dados:IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Tabela 1.1 ‐ Número de matrículas e índices nos cursos primários, ginasial, colegial (1º e 2º
graus) e superior (de graduação). Brasil 1960 – 1987 (1960= 100)
Primário    Ginasial    Colegial    Superior  
1960 7.458,0 100,0 910,3 100,0 267,1 100,0 93,2 100,0
1961 7.798,7 104,6 1.006,9 110,6 301,1 112,7 98,9 106,1
1962 8.535,8 114,5 1.128,6 124,0 335,8 125,7 107,3 115,1
1963 9.299,4 124,7 1.323,0 145,3 396,6 148,5 124,2 133,3
1964 10.217,3 137,0 1.453,7 159,7 439,0 164,3 142,4 152,8
1965 9.923,2 133,1 1.645,3 180,7 509,1 190,6 155,8 167,1
1966 10.695,4 143,4 1.889,8 207,6 593,4 222,1 180,1 193,2
1967 11.263,5 151,0 2.120,6 233,0 688,3 257,7 212,9 228,4
1968 11.943,5 160,1 2.404,6 264,2 801,1 300,0 278,3 298,6
1969 12.294,3 164,9 2.719,2 298,7 910,2 340,7 342,8 367,8
1970 12.812,0 176,8 3.082,5 338,6 1.003,4 357,7 425,5 456,6
Fonte: MEC/SEEC, Sinopses Estatística do Ensino, 1960 a 1987.
Nas eleições de 1958, Roberto Silveira foi eleito governador do Rio de Janeiro, Celso
Peçanha foi eleito vice com 299.679, assumindo o governo em março de 1961, após a morte do
então governador. Seu governo não durou muito tempo, pois ele decidiu concorrer ao Senado em
1962, se afastando do Governo do Estado. Em sua gestão Celso Peçanha apresentava muitas
propostas que visavam o desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro, dando especial ênfase
aosinvestimentosrelacionados à educação. (PEÇANHA, 2006)
Jânio Quadros, presidente do Brasil naquele momento, realizou a IV Reunião de
Governadores, no qual Celso Peçanha participou e conquistou financiamento para construção de
fábrica de celulose em Magé, estabelecimento de frigoríficos e construção de uma fábrica de
industrialização de frutas na cidade de Macaé. A verba foi obtida por meio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDS). (PEÇANHA, 2006)
Para Celso Peçanha, o investimento em educação significava ampliar condições de ensino,
mas também aproximação à democracia e a liberdade, segundo ele: “A ignorância é o abismo em
que se sepulta a Liberdade e a negação da Democracia.  Não há liberdade nem Democracia semIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Educação.” Galgava a construção de mil escolas rurais no território fluminense, através da
proposta de um plano de construção de escolas apresentado na IV Reunião de Governadores,
ocorrida em Minas Gerais. (PEÇANHA, 1962a).
A década de 1960 foi marcada por grandes reuniões, ações políticas e crises, que tinham
como centro a vida política e social do país. Uma delas foi a conferência dos governadores,
realizada em 1962 no Estado de Minas Gerais. No evento, a discussão sobre a restituição dos
poderes a João Goulart apareceu e os participantes defendiam a ideia, contrariando o regime
político parlamentarista que o país se encontrava. O plebiscito defendido na reunião foi realizado
em 1963, no qual foi decidido que o regime presidencial voltaria. (PEÇANHA, 2006)
Celso Peçanha apresentou desde muito cedo aptidão para a vida pública, é possível
perceber isso em suas ações ao longo da vida, por exemplo, quando foi eleito vice‐presidente da
União Nacional dos Estudantes (UNE), um ano após ingressar na Faculdade de Direito de Niterói,
em 1938. (PEÇANHA, 2006)
Era visível nos pronunciamentos de Celso Peçanha a preocupação com a educação pública,
sua expansão e manutenção nas áreas e urbanas e rurais. O investimento em educação, para ele,
apresentava aspectos significativos no desenvolvimento da economia brasileira, afirmava serem
ações mais rentáveis no que se refere a empreendimentos estatais e benefícios à população do
que, por exemplo, a construção de presídios e penitenciárias. Ele percebia que a oferta de
educação básica e técnica no campo era extremamente carente, isto provocava nele a iniciativa de
construir escolas técnicas e de formação para o magistério visando a preparação da população
rural para o mercado de trabalho na sua própria região, evitando o êxodo em massa e falta de
mão‐de‐obra qualificada na localidade.
Profundamente envolvido na lógica cristã, assumidamente católico, Celso Peçanha
concebia a democracia e a liberdade pelo cristianismo e visava a justiça social baseado nesses
princípios e deixava claro em seus discursos:
As iniciativas que tive a honra de impulsionar, em favor da educação da infância e
da juventude, representam a prática efetiva da Democracia, com a valorização do
homem, a fim de que as novas gerações não permitam jamais que a Liberdade e a
Justiça Social mergulhem nas trevas da tirania. Um trabalho patriótico de que me
ufano; uma tarefa ciclópica de civismo, que não foi só minha, mas de toda uma
brilhante equipe de ilustres e dedicados servidores da administração, deIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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engenheiros e operários, de mestres, de legisladores e de intelectuais, que
puséramos os seus esforços e as luzes da sua inteligência e da sua cultura a
serviço, na realização do ideal supremo de Educação para a ação cristã no campo
político, econômico e social. (PEÇANHA, 1962, a)
Atento às questões da educação, ocupou‐se do planejamento de criação de escolas do
primário ao ensino técnico. Foram criadas em 1961, 127 unidades de ensino pré‐primário, sendo
68 instituições de Jardim de Infância e 59 de Classes Pré‐Primárias. Em relação ao Ensino Normal
(modalidade que sempre recebeu atenção de Celso Peçanha), criou três Institutos de Educação,
nos municípios de Petrópolis, São Gonçalo e Nova Iguaçu. Como mostra os dados apresentados
por ele na sua Mensagem à Assembléia Legislativa, em que faz um balanço de seus feitos nos dez
meses de governo; o ano de 1961 também registrou grande rendimento escolar no Ensino Médio
e a criação de 9 colégios estaduais.
Inspirado pelos anseios de sua antiga professora, percebidos após uma visita a ela que se
encontrava doente e recebendo menos de dez por cento do que recebiam as professoras em
exercício. Peçanha preocupou‐se com a aposentadoria das professoras, foi a favor da
aposentadoria aos 25 anos de serviço com a Lei Nº 4.637, de 29 de maio de 1961, elaborada
durante seu governo e posteriormente apoiou à Emenda Nº 4, no discurso ocorrido em 1979,
enquanto Deputado Federal do Rio de janeiro.
Na década de 1980 retornava à discussão em torno da verba pública destinada à educação,
Peçanha defendia que 12% do orçamento da República deveriam ser designados a esse setor, já
que era a área que mais sofria com cortes de investimentos qualquer ameaça de crise econômica
que o país sofresse. Assinada pelo Senador João Calmom, a proposta de Emenda à Constituição Nº
57, que previa aplicar mais de 10 por cento do orçamento da União à educação foi proposta de
Celso Peçanha, que cedeu, segundo ele, a autoria ao Senador Calmom por se tratar de um político
maisidoso e em final de carreira.
Esta proposta gerou grande movimentação campo educação, o estado do Rio Grande do
Sul, por exemplo, promoveu a primeira greve conjunta entre alunos e professores, no qual
utilizavam os horários das aulas para conversarem com os alunos, explicando‐lhes a importância
de apoiar o aumento da verba investida em educação.  IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Em sua trajetória, a esposa de Celso Peçanha, a Sra. Hilka Peçanha, exerceu muita
influência em seus atos referentes a educação. Professora atuante e preocupada com as questões
educacionais, a Sra. Hilka auxiliava também o então governador ao assinalar os aspectos que
necessitavam de mais investimentos e mais trabalho para assegurar uma educação de qualidade
para a população do Estado do Rio de Janeiro, perceptível em uma fala de Celso Peçanha, quando
afirma:
Neste trabalho hercúleo muito me ajudaram os conhecimentos e o
entusiasmo de uma professora – minha esposa, fortalecendo a experiência
que eu próprio havia adquirido no trato dos problemas educacionais, pois o
exercício do magistério foi uma das atividades que marcaram o inicio da
minha vida pública. (PEÇANHA, 1962a)
Conclusões: a escola pública brasileira e o Governo Celso Peçanha
O conceito de escola pública pode ser entendido por diversas concepções, elenquei três
principais; a primeira trata da educação coletiva, que se opõe à educação feita por meio de
preceptores, individualmente, predominante no antigo regime. Nesse sentido, escola pública
refere‐se àquela realizada através de método simultâneo, mesmo quando ministrada em
instituição privada. Posterior ao ensino primário, correspondia ao ensino secundário. Propagada
no século XIX, outra definição de escola pública, é a voltada para a população, para a organização
dos sistemas de ensino, a escola pública nessa concepção, tinha o objetivo de “garantir o domínio
das competênciasrelativas ao ler, escrever e contar” (SAVIANI, 2005).
A terceira compreensão de escola pública é o sentido ligado ao estatal, ou seja, com
organização e manutenção de responsabilidade do Estado; abrangendo a construção de escolas,
manutenção da infra‐estrutura, formação de corpo docente, determinação das diretrizes
curriculares e procedimentos de avaliação, elaboração de políticas que garantam o bom
funcionamento das escolas. Essa definição é a mais utilizada no século XX, apesar de outras
categorias surgirem a partir desta conceituação, como o terceiro setor (ONG’s – Organizações Não
Governamentais) Público‐Não‐Estatal, entre outras organizações que não estão ligadas
diretamente ao Estado, mas exercem funçõessemelhantes. (SAVIANI, 2005).IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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A disputa de conceituação de escola pública e a discussão sobre o investimento de recursos
financeiros públicos em estabelecimentos de ensino privado no Brasil não é recente. Na
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases para educação Nacional de 1961 este assunto conquistou
um amplo espaço de debate, retomando discussões antigasreferentes ao assunto.
O projeto de lei de Clemente Mariani, de 1948, enviado à Câmara dos Deputados defendia
a transferência de recursos financeiros públicos para instituições particulares de ensino, mas
Mariani não foi pioneiro na defesa desse assunto, já que dez meses antes, este ideário estava em
pauta no III Congresso Nacional de Estabelecimentos de Ensino. (DAVIES, 1994, CUNHA, 1984)
A partir de 1956, o tema voltou a ser decorrente, sobretudo com os diversos substitutivos
apresentados pelo deputado Carlos Lacerda, que buscava a divisão dos recursos financeiros
públicos entre escolas públicas e privadas, posteriormente, a discussão em torno do assunto
reapareceu na formulação da LDB, sancionada pelo presidente João Goulart, em 1961. (DAVIES,
1994)
No que se refere à defesa de investimento de recursos públicos em instituições privadas de
ensino, alguns argumentos foram elaborados, sendo um deles o combate ao suposto monopólio
do Estado em relação à educação. Os defensores do privatismo afirmavam que as famílias
deveriam ter o direito de escolher a educação de seus filhos. Apesar dos dados apresentarem que
60% das escolas de ensino médio e superior eram privadas. (DAVIES, 1994)
O argumento do pagamento de impostos compôs outra frente de defesa. Afirmam que já
pagam impostos ao governo, e desta forma contribuem no orçamento destinado as escolas
públicas, com o pagamento da mensalidade das escolas particulares, por parte das famílias mais
abastadas, o rendimento seria duplicado. Para que isso fosse equilibrado, os recursos públicos
aplicados nas instituições privadas permitiria a oferta de ensino gratuito para os que podem pagar
e para os que não podem, apesar da realidade ser contrária, já que as famílias ricas recebem
abatimento do Imposto de Renda no valor do pagamento da escola. (CUNHA, 1984)
Outro argumento de defesa da escola privada se referia ao custo das escolas públicas,
através da afirmação de que seria menos custoso para a União, os Estados e Municípios investir
em escolas particulares do que na manutenção de instituições públicas. Permitindo que as
entidades privadas oferecessem ensino gratuito a mais alunos e por menos gasto do que asIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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instituições públicas de ensino. Trazendo para a discussão a dicotomia pública e privada na
educação por um viés mais favorável a iniciativa privada, como demonstra Cunha: “Assim,
argumentam, a manutenção do ensino particular pelo governo é uma exigência da própria
construção da democracia.” ( 1989).
A justificativa era baseada no gasto com professores que não exerciam a docência e,
portanto, não estavam ligados diretamente ao ensino. Ou seja, muitos professores, com
ordenados considerados como do magistério, não era efetivamente docentes, aumentando
numericamente o despedimento financeiro público nesse setor. Além disso, a afirmação de custo
mais baixo na manutenção de instituição privada se fundamenta no discurso da eficiência, que
esconde a realidade dassalaslotadas, dos professores sobrecarregados, entre outras coisas.
Sob a argumentação de que os recursos financeiros disponíveis no Estado do Rio de Janeiro
não seriam suficientes para a construção de uma escola pública em cada município, o governo
Celso Peçanha utilizou a estrutura física de estabelecimentos de ensino privado para oferecer
ensino gratuito. Assim é percebido na Mensagem de Celso Peçanha à Assembléia Legislativa:
É evidente e os próprios números demonstram, que o Governo teve maior
interesse em criar estabelecimentos próprios, eis que estes, sendo gratuitos,
muito melhor servem as classes economicamente desfavorecidas. Todavia, por
não suportar o erário fluminense a criação, de uma só vez, de um
estabelecimento estadual em cada município, teve que se valer do
reconhecimento de escolas particulares; observadas os termos da legislação
específica. (PEÇANHA, 1962)
Com essa prática, diversas escolas privadas se beneficiaram, com abatimento de impostos
e investimentos públicos. Incentivando diretamente ou não a iniciativa privada, tão referenciada
na época e identificada como progresso econômico do país.
A construção de instituições públicas e a manutenção das já existentes representam,
portanto, investimento que produz mais resultados, uma vez que a escola pública atende a muito
mais pessoas que asinstituições privadas. Peçanha apontava essas questões afirmando:
Cumpre, pois, que se planeje responsavelmente a política educacional brasileira,
com ênfase no ensino de primeiro grau e na alfabetização da totalidade de nossas
crianças, [...] Não se espere que tal tarefa possa ser realizada sem pesados
investimentos governamentais, já que exigirá a aplicação de recursos em larga
escala; entretanto, poderemos estar seguros de que tais recursos reverterão emIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
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benefícios da sociedade como um todo, através do progresso que fatalmente
advirá de um tal esforço.
O investimento de recursos públicos deve ser totalmente voltado para as instituições
públicas de ensino no qual o Estado promova a expansão educacional, não no sentido liberal
igualitário, mas para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. O principal
instrumento de democratização é a escola pública. Uma escola gratuita, de qualidade e ao alcance
de todos, buscando eliminar a exclusão social, econômica e cultural de uma sociedade marcada
pelas desigualdades.  
Referências
ARAUJO, Flávia Monteiro de Barros. Projeto de Pesquisa: Governo Celso Peçanha: Revolução na Educação? Edital
PIBIC/CNPq UFF 2011 /2012.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 11 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez; Niterói: EDUFF; Brasília: FLACSO do
Brasil, 1991.
________. (coord.). Escola pública, escola particular e a democratização do ensino. São Paulo: Cortez/Autores
associados, 1985.
CUNHA, Luiz Antônio, GÓES, Moacyr. O golpe na educação. 7ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

Um comentário:

  1. GOVERNO CELSO PEÇANHA: REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO?
    Dayana Velasco
    dayana_fla@hotmail.com
    Flávia Araújo
    fmbaraujo@hotmail.com
    Waldeck Carneiro
    waldeckcarneiro@gmail.com
    (CNPQ‐ UFF)

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